Mago Supremo - Cap. 208
Capítulo 208: O que vai, volta
Reino de Griffon, Palácio Real. Logo após o ataque.
O Rei Meron estava buscando uma audiência com a Tyris há semanas, mas os aposentos privados dela permaneceram selados. Após voltar do Deserto de Sangue, ela estava ocupada demais desmantelando o laboratório secreto primeiro e checando os registros sobre quem havia estudado a loucura de Arthan depois para se incomodar com as preocupações juvenis dele.
Encontrar pistas sobre a identidade da mente pensante por trás das Abominações era a prioridade dela, especialmente depois do Conselho ter lavado as mãos do assunto. Ela apenas cedeu por causa da importunação incansável e incessante dele.
O Rei Meron não conseguiu evitar se lembrar do Conde Lark e como ele provavelmente se sentiu depois de ter sido rejeitado de novo e de novo pela Corte apenas alguns meses antes.
A sala do trono da Tyris era uma réplica perfeita da sala que a família Real usava durante eventos sociais, exceto pelo fato de que cada mobília era feita de pedra. Até o trono em si não era uma exceção.
Carpetes, tapeçarias, até as armaduras cerimoniais ao longo do corredor pareciam ter sido esculpidas até o mais delicado detalhe. Mais de uma vez, o Rei havia se perguntado se havia um segredo por trás da segunda sala do trono e quem estava se sentando no verdadeiro trono.
— Primeira Rainha, perdoe minha insistência, mas trago péssimas notícias. — Meron se ajoelhou no chão, mesmo apesar dele saber que formalidades não significavam nada para ela. Ainda assim, em seu desespero, ele não estava disposto a dar nenhuma chance ao acaso.
— Deixe-me adivinhar, alguém morreu hoje — disse ela em um tom jocoso, sem parar de olhar para os arquivos.
— O deus da morte… — Um olhar furioso da Tyris o parou.
— Não existem deuses. Eu sei disso muito bem. Use o verdadeiro nome dele em vez desse título pomposo. — A Primeira Rainha odiava o quão facilmente humanos concediam a divindade. A Grande Mãe, como humanos e feras também se referiam à vontade do planeta, era a coisa mais perto de um deus que ela já havia encontrado.
Ao mesmo tempo, era o ser mais indiferente e que não se importava com nada que ela já havia interagido em sua vida, pensando apenas no cenário geral e ignorando indivíduos, até os Guardiões, a menos que eles sirvam para seu propósito.
— Nesta noite, Ilyum Balkor atacou todas as seis grandes academias ao mesmo tempo. Graças aos d… — Outro olhar fulminante fez Meron xingar sua própria língua estúpida. — Graças aos céus o número de mortes foi baixo, pelo menos para aqueles que seguiram o protocolo do Linjos. Mas as academias Grifo de Terra e Cristal não seguiram. Quase todos os Professores dessas duas academias morreram durante o ataque.
— E por que eu deveria me importar com isso? — bufou Tyris, fazendo a sala tremer. — Eu falei pra vocês, idiotas reais, há séculos atrás para seguirem o conselho do Leegaain e reformar o sistema da nobreza e das academias, mas nunca era o momento certo. Fome, conflitos internos, o bebê real. Qualquer desculpa era boa o bastante para atrasar seus deveres. Vocês e seus ancestrais construíram seu próprio caixão, agora deitem-se nele.
— Vossa Majestade, seus súditos, crianças inocentes ainda por cima, estão morrendo nas mãos de um louco! Você deve fazer algo! — Ele se levantou, magoado pela indiferença e acima de tudo, pela verdade por trás das palavras dela.
— Um louco? E se fosse a sua família que tivesse morrido por causa de uma pegadinha? E se tudo e todos que você ama tivessem sido violados, estripados e abandonados para serem queimados vivos? O que você teria feito no lugar dele?
Os olhos dela foram reduzidos a duas fendas flamejantes transbordando mana.
Meron não respondeu. A única forma de falar algo sem provar que ela estava certa seria mentindo, mas ela perceberia, o que tornaria seus esforços inúteis.
— Por favor, pense nas crianças. Elas são inocentes! — Ele deu sua última cartada.
— Inocentes? Maçãs podres de árvores apodrecidas. Balkor não era uma criança também? E quanto a todos que morreram naquele dia e continuam morrendo até hoje porque nobres valorizam mais seu status do que a vida humana?
“Minha resposta ainda é não. Não resolverei os problemas que vocês criaram por terem ignorado meu conselho. Se for para fazer as coisas assim, eu tomaria de volta o trono e faria seu trabalho por você. Por terem deixado tantos atos monstruosos passarem sem uma punição, vocês criaram um monstro.
“Pense nisso na próxima vez em que alguém pedir um perdão real.”
Antes do Rei Meron conseguir responder, ele se encontrou de volta em seu quarto. Sua aparição súbita quase fez Sylpha esfaqueá-lo de surpresa.
— O primeiro dia ainda nem acabou e tantos já morreram — soluçou o Rei Meron, chorando, buscando conforto no abraço de sua esposa. — Estamos sozinhos. Nossa Deusa nos abandonou.
***
Lith estava tendo uma janta constrangedora. Todos os seus companheiros estavam tendo dificuldade para deixar a gafe dele passar.
— Obrigado por salvar minha vida, cara. Mas eu agradeceria se você se preocupasse mais com meu bem-estar e menos com pesquisas acadêmicas — suspirou Yurial, sabendo que era como se ele estivesse falando com uma parede.
— Vocês estão fazendo tempestade em copo d’água. Eu não estava preocupado porque não havia necessidade de se preocupar. Eu sou o melhor diagnosticador que conheço, fora o Manohar. Eu havia checado vocês dois três vezes da cabeça aos pés e removido cada gota de veneno. Com o que eu deveria ter me preocupado? A maciez dos seus travesseiros?
Levar uma bronca de seus amigos não o incomodou tanto quanto a birra mental que a Solus fez. Era para ela estar do lado dele, não dos amigos dele.
— Acredite em mim, ninguém aprecia seu profissionalismo tanto quanto eu, mas se você não quer acabar igual o Manohar, você tem que aprender a calar a boca de vez em quando. — Phloria continuou brincando com a comida. A experiência de quase morte tinha feito ela perder o apetite.
— Phloria, você entende que estamos em guerra? — Lith a encarou intensamente. — Aquele veneno poderia salvar nossas vidas no futuro, eu tinha que tentar convencer o Vastor enquanto ainda tinha a chance. Agora tudo está perdido. Desculpa se priorizei manter vocês vivos em vez de aconchegar seus sentimentos — rosnou Lith, alto o bastante para todos ouvirem.
Eles olharam para ele, percebendo que talvez Lith fosse um babaca, mas um babaca com um argumento bom pra caralho.
— Você realmente se parece com a mãe. — As palavras dele lembraram Quylla da lição sinistra que a Lady Ernas havia dado para ela antes de partir. Sobre como e onde bater em humanos e feras para infligir o máximo de dor. — Seus modos com os pacientes são terríveis, mas obrigada por salvar minha vida.
— Agradeça a Friya. Ela quase desmaiou enquanto mantinha vocês vivos até nosso chegada.
— Obrigada, Friya. Você é a melhor irmã que eu poderia pedir. — Quylla abraçou a Friya, aliviando o aperto frio que ela sempre sentiu em volta de sua alma e fazendo as tripas da Phloria darem um nó ao mesmo tempo.
Ela ainda não tinha conseguido se perdoar por ter esquecido da Friya quando eles ainda estavam dentro da mina. Ela estava se sentindo como a pior irmã do mundo.
O clima na cantina improvisada estava sombrio. Alguns estudantes que tinham ignorado as ordens do Linjos e saído da cidade tinham morrido durante o ataque. Vários outros foram gravemente feridos e como o veneno não havia sido purificado prontamente, as vidas deles estavam por um fio.
Um grito de lamento repentino seguido por soluços vindo a enfermaria os avisou de que outra pessoa não havia resistido. Um pequeno garoto correu do hospital de campanha, abraçando M’Rook e escondendo seu rosto na pelagem grossa.
O Ry deixou a criança ficar ali, acariciando gentilmente a cabeça dele com seu focinho.
Pobre criança. Seu amigo deve ter sucumbido para o veneno. Solus disse.
É. Algo que danifica o núcleo de mana é algo nunca antes visto fora os parasitas que enfrentamos. Agora você entende por que precisamos de uma amostra daquele veneno? Não podemos confiar nossa sobrevivência a ninguém. Lith ainda estava bravo com ela.
Você tinha mesmo que barganhar com Vastor enquanto seus amigos ainda estavam se recuperando? Por que você não guardou todo o veneno em vez da metade se isso era tão importante?
Solus sabia que ele estava certo, mas ela não queria que Lith continuasse passando por cima dos sentimentos de seus companheiros sem um pingo de remorso.
Porque Vastor sabe sobre a praga e o papel que desempenhei durante a epidemia. Porque dando metade do veneno para ele, provei meu valor mais uma vez e demonstrei minha lealdade declarada ao Reino. Isso me dará méritos e pontos. Simples assim.
Solus suspirou.
Em tempos de paz, eu estaria certa. Mas no momento, estamos em guerra com a morte em si. Minha mentalidade é uma fraqueza. Espero que a Phloria consiga ajudar o Lith a manter sua humanidade. É em momentos como esse que eu sinto que ele está se perdendo.
Ao contrário dos outros, Lith não estava com medo. Pelo contrário, ele estava muito calmo. Em sua mente, os outros estudantes eram apenas ferramentas. Ele planejava usá-los para aumentar seu status ou como peões para serem sacrificados. Ele se importava apenas com aqueles que estavam em sua mesa.
Alguns de seus planos enojavam a Solus.
— Há quanto, Praga. — Kalla apareceu ao lado deles, fazendo o grupo tomar um susto.
— Você mudou muito desde nosso último encontro, Kalla — respondeu Lith, sem parar de comer.
— Sim, e você também. Quando isso acabar, temos muito o que conversar.
Kalla desapareceu após se fundir com a sombra da mesa deles, deixando Lith ansioso para uma nova lição sobre a Necromancia verdadeira.
— Praga? — perguntou Yurial.
— Sim, é uma longa história — suspirou Lith, que de repente não estava mais tão feliz. Ele odiava ser forçado a compartilhar pedaços de seu passado.
Após voltar para o quarto deles, Lith contou para eles sobre seu primeiro encontro com a Kalla e como as feras mágicas tinham o nomeado como “Praga”. Ele contou para eles apenas a verdade, mas omitiu todas as partes sobre magia verdadeira e ter aprendido Necromancia com a Byk antes da evolução dele.
— Por que você nunca nos contou que feras mágicas podem falar? — Phloria se sentiu um pouco ofendida com a falta de confiança dele.
— Porque elas confiaram em mim para eu não contar — respondeu Lith. — Além disso, porque vocês não teriam acreditado em mim. Ao contrário do Phillard, geralmente elas tomam muito cuidado com quem elas falam. Elas provavelmente teriam se mantido em silêncio, se não fosse pela emergência. — A memória do Proxy fez eles tremerem.
Todos estavam mortos de cansaço, então decidiram ir dormir mais cedo. Eles precisavam de todas as suas forças para o ataque que viria no dia seguinte.
Todos ficaram atônitos com o pijama do Lith.
— Você vai mesmo dormir de uniforme? — Por causa do quarto misto, Yurial havia trazido uma camisola grossa.
— É mais prático dessa forma. Se qualquer coisa acontecer, não tenho que perder tempo me trocando. Além disso, graças à magia, o uniforme está sempre impecável, então por que não?
— Você realmente se parece com meu pai — disse Phloria enquanto ria. — Sempre que ele volta do campo de batalha, a mãe sempre reclama sobre o quão difícil é fazer ele dormir sem seu uniforme a espada do lado da cama.
Após todos terem sua vez zombando da paranóia do Lith, eles desligaram as luzes. Lith havia esperado o dia inteiro por aquele momento.
Ele tirou a shotel da dimensão de bolo, usando Revigorar para começar a coletar dados sobre seu pseudonúcleo e como os cristais de mana interagiam com a estrutura da matriz do feitiço.
Ele havia acabado de começar a tomar notas, após testar e investigar a estrutura interna, quando Solus o alertou.
Cuidado! Alguém está se levantando. Xingando sua má sorte, Lith colocou tudo de volta em sua dimensão de volto e fingiu estar dormindo. Não havia quase nenhuma luz no quarto, mas ele ainda conseguia ver.
Alarme falso. A Quylla foi para a cama da Friya. Provavelmente ela está com medo demais para dormir sozinha hoje. Lith ainda estava suspirando de alívio quando tudo ficou uma loucura.
Alguém estava puxando o cobertor, se aconchegando do lado dele.
— Abre um pouco de espaço pra mim, babaca. — O sussurro da Phloria soou como um trovão para seus ouvidos. Ele rapidamente usou o feitiço Chiu para prevenir que os outros percebessem o que estava acontecendo.
— Você é louca? O que você pensa que está fazendo? — Manter suas mãos sob controle era uma tarefa enorme. Ele não conseguia parar de imaginar o corpo dela nu que, por algum motivo, ele nunca tinha conseguido esquecer.
— Não se preocupe. Eu usei todos os feitiços que você me ensinou para eu me movimentar despercebida. Aconteceu durante o exame simulado. Lembra? — As mãos dela acariciaram o cabelo dele, fazendo as mãos dele tremerem e suas partes baixas entrarem em erupção.
— É claro que lembro, mas não acho que você deveria estar aqui. — Ele continuou sussurrando, apesar de ambos saberem sobre o feitiço Chiu.
— Então quando seria o momento certo? Tantos morreram hoje. A Quylla e o Yurial escaparam por pouco da morte. E se eu morrer amanhã?
Solus estava com tanta inveja da Phloria. Mesmo se ela tivesse um corpo, ela nunca seria tão decisiva.
As palavras da Phloria faziam sentido, então Lith tentou abraçá-la enquanto a beijava, encontrando duas surpresas inesperadas.
— Depois de me zombar tanto, você também está vestindo seu uniforme? — disse ele, com a mão dela pressionada contra sua boca.
— Seu raciocínio foi perfeito. Além disse, o que você esperava? Que eu pularia pra cima de você em meu traje do dia de nascimento? Você realmente tem uma mente pervertida. — Lith não respondeu, parando suas tentativas de buscar intimidade.
— Desculpa, mas sem beijos. Não sei se eu conseguiria me parar se começássemos. — Ela corou violentamente, buscando o abraço dele novamente. — Não estou pronta pra isso. Só quero dormir ao seu lado, não com você. Está tudo bem pra você? — O cheiro doce do cabelo dela estava deixando ele louco.
— Sem problema. — Lith mentiu descaradamente, contando para trás desde 100, enquanto se lembrava da diferença de idade entre eles.
Ao contrário das expectativas dele, a Phloria adormeceu quase instantaneamente. Horas se passaram, Lith teve que se manter em xeque constantemente enquanto lamentava por todo o tempo perdido. Não tinha como ele estudar a espada do Orion naquela situação.
E então, uma explosão barulhenta balançou a casa até seus fundamentos. Gritos humanos e inumanos preencheram o ar. Todos se levantaram apressados, algo estava abrindo caminho com garras através das paredes e do teto ao mesmo tempo.