Mago Supremo - Cap. 191
Capítulo 191: Raiva efervescente
— Tudo bem. Bom dia, meus queridos estudantes. O Professor Manohar está muito feliz em vê-los novamente.
Manohar modificou suas saudações de acordo com a reclamação do Linjos.
— Não fale na terceira pessoa como um louco e mostre algum respeito com a Academia e seus estudantes!
Linjos havia esperado que ao forçar o Professor rebelde a assumir um papel ativo na aula de Curandeiro, isso o ensinaria uma lição sobre responsabilidade. Porém, seu plano havia saído pela culatra logo no começo.
— Por que você está tão bravo? Eu havia acabado de conseguir algumas garras de nagas, você sabe o quão difícil é encontrá-las. Além disso, sim, eu posso ter perdido a noção do tempo, mas eu encontrei uma cura para a Prixyne. Isso não significa que valeu a pena? — refutou Manohar, com um tom indignado.
A classe ficou boquiaberta, perplexa. Prixyne era uma doença degenerativa congênita, ainda pior do que a doença que assolou a Tista durante a infância dela. A doença afetava o sistema nervoso, fazendo ele colapsar ao longo do tempo.
Ela necessitava de tratamentos constantes apenas para desacelerar a progressão da doença e aliviar os sintomas. Por décadas essa doença havia sido considerada uma doença de morte e agora ela tinha uma cura permanente.
— É claro que sim. Esse é o único motivo pelo qual você está aqui em vez de estar acorrentado na sua mesa!
— Vamos direto ao ponto — disse Manohar, ignorando ele e continuando seu discurso. — Vocês já aprenderam a maioria das coisas que precisam aprender para se formarem como curandeiros completos do quarto ano. O que vocês ainda não têm é experiência de campo. Durante o terceiro trimestre, não haverá mais nenhuma aula.
“A academia enviará vocês para onde quer que haja uma necessidade urgente por um curandeiro competente, e apesar de vocês não chegarem nem perto de estarem qualificados para isso, é o que terão que fazer.”
— Manohar! — rugiu Linjos.
— Quer dizer, vocês serão separados em grupos e enviados para locais diferentes, como verdadeiros profissionais. Vocês contribuirão para o bem do Reino, em nome da Academia.
“Suas notas serão influenciadas por sua performance. Isso também afetará o prestígio e o nome da Academia. Seu sucesso será meu sucesso, sua falha será a falha do Linjos. Todos sabem que eu nunca falho.”
Linjos levou a palma da mão à testa, sua intenção assassina estava se tornando mais palpável a cada segundo
— Já que por algum motivo que sou incapaz de entender, nosso Diretor está bravo comigo…
— Estou bravo contigo porque você desapareceu por quase três meses!
— …serei forçado a bancar a babá para o grupo mais incompetente.
— Último aviso! — As mãos do Linjos estavam perigosamente perto da garganta do Manohar.
— Quer dizer, eu irei supervisionar o trabalho daqueles cujas habilidades ainda são um diamante bruto, que precisa ser lapidado. Todos os outros grupos não terão um supervisor. Mantenham em mente que essa oportunidade é uma grande honra para todos vocês.
“Vocês estão recebendo a chance de serem reconhecidos e se tornarem curandeiros renomados antes mesmo de se formarem, de conhecerem figuras importantes do Reino e ajudarem aqueles que precisam.
“Ao mesmo tempo, vocês provavelmente matarão alguém devido à incompetência de vocês, dando ao meu querido amigo Marth uma excelente desculpa para expulsar vocês da Academia e reduzir minha quantidade insana de trabalho burocrático.”
— Eu nunca faria uma coisa dessas! — Marth surgiu na sala de dentro de um Portal, também. — Além disso, isso que você está falando é completamente diferente do discurso que eu escrevi para você. Você tinha que encorajá-los a se preparem para quando estiverem frente a um caso sem esperança e dizer para eles que é normal para um curandeiro perder um paciente ou fazer um diagnóstico errado!
Antes do Manohar conseguir começar uma discussão, o Professor Marth tomou as rédeas da aula.
— Lembrem-se, nunca escutem nada do que ele disser em relação a algo que está fora da área médica. De hoje em diante, mesmo que seja só por algumas horas por dia, vocês terão o mesmo papel e responsabilidades de um curandeiro sancionado pela Academia.
“O motivo pelo qual vocês serão separados em grupos é para serem a corda salva-vidas um do outro. Nunca tenham medo de pedir ajuda ou admitir seus erros. Se vocês conseguirem se formar esse ano e no próximo, incontáveis vidas ficarão em suas mãos ao longo das suas carreiras como curandeiros.
“É uma responsabilidade pesada que nem todo mundo é capaz de carregar. Um espírito forte, sagacidade e talento são os requisitos mínimos para se tornar um bom curandeiro.
“Vão e nos deixem orgulhosos.”
Os assistentes do Marth entregaram para cada grupo a lista de pacientes que eles teriam que atender antes do fim da aula. Cada nome estava associado a um hospital, junto com as instruções de como chegar nele partindo da filial da Associação de Magos mais próxima naquela cidade.
O grupo do Lith estava no topo da sala, então a lista deles continha apenas nomes importantes. A maioria dos pacientes não estava hospitalizado, mas precisava de visitas domiciliares. O Professor Marth foi falar pessoalmente com eles.
— Eu recomendo que vocês sempre se movam juntos. Eu confio completamente em cada um de vocês, mas essas pessoas são poderosas — disse Marth, enquanto batia com o dedo na lista. — É melhor não decepcioná-los ou ofendêlos. Quylla, você ainda é mansa demais quando lida com pacientes, então eu te designarei como a líder da equipe. — Quylla ficou pálida, se escondendo instintivamente atrás da Friya.
— Você ficará encarregada de lidar com as famílias dos pacientes e se certificará de que seus colegas recebam o respeito que merecem. Sem uma atitude confiante, as pessoas sempre passarão por cima de você.
“Lith, sua educação ao lado do leito dos pacientes é terrível. Seu dever será cuidar do bem-estar psicológico dos pacientes, explicando para eles qual é a causa da doença deles e os confortando quando for necessário.
“Friya será a curandeira principal e Yurial será o diagnosticador. Vocês dois não têm nenhum ponto fraco, além da falta de experiência. Se qualquer coisa acontecer, entrem em contato com a Academia imediatamente e nós cuidaremos do resto.”
Ele deu alguns tapinhas nas costas deles antes de ir falar com outro grupo. Yurial deu uma olhada rápida na lista, fazendo uma careta com uma cara preocupada.
— Isso é muito pior do que eu pensava. A maioria dessas pessoas são tão arrogantes quanto são irritantes. Elas consideram minha família imprópria de seu título porque contribuímos ao Reino por “apenas” três gerações.
“Sinto muito Quylla, mas ou você faz sua melhor imitação do Lith ou eles nos usarão como capachos. Vamos logo, temos muito a fazer e tão pouco tempo.”
***
Casa Lukart, aposentos privados do Arquimago Lukart.
— O que você quer dessa vez, Lukart?
— Eu preciso da sua ajuda. Dessa vez é melhor você prestar atenção. O Velan Deirus está muito perto de encontrar provas das minhas conexões com a Hatorne e o incidente de Kandria.
— E por que eu deveria me importar com isso? — A voz do outro lado do amuleto de comunicação estava irritada, como um professor lidando com uma criança mimada.
— Porque se eu cair, vou te arrastar junto comigo. Depois do surto da praga, todos os meus planos foram arruinados. Eu não tenho mais nenhum motivo para continuar agindo contra a Grifo Branco, fora a sua chantagem constante comigo.
“Seus planos não têm nenhuma chance de sucesso sem minha ajuda e se eles me pegarem no flagra eu me certificarei de que nós dois sejamos mandados pra mesma cela.”
— Não se atreva a me ameaçar, Lukart. Eu só preciso de uma palavra para mandar te matar.
— Faça isso e você sofrerá o mesmo destino. Eu não sou estúpido. Já me certifiquei para que caso qualquer coisa aconteça comigo, registros de todas as nossas conversas sejam entregues para pelo menos 50 investigadores da Polícia Real. Nem mesmo você consegue parar todos eles.
Do outro lado veio um som de algo sendo esmagado, como se algo grande e pesado estivesse sendo destruído.
— O que você quer?
— A mesma coisa que eu te pedi da última vez. Mate o filho do Deirus, não me importa como.
— E como eu poderia ter certeza que posso confiar na sua palavra? — A voz estava escorrendo nojo.
— Você não terá, mas saiba disso. Estou me preparando para deixar o Reino desde o surto da praga, meu único problema é que com o Deirus vindo atrás de mim, isso está levando tempo demais. Não consigo movimentar recursos ou fundos demais de uma vez só, senão ele perceberá.
“Se você fizer esse último favor para mim, eu sairei do seu pé e te deixarei tudo que você precisa para alcançar seu objetivo.”
— Você é um homem de sorte, Lukart. — A voz pareceu ter se acalmado. — Yurial Deirus acabou de partir da Academia. Eu sei onde ele estará durante as próximas horas.
— Se ele está fora da Academia, eu posso cuidar dele por conta própria. Apenas me passe as coordenadas dele.
— Seu dom para o fracasso já parou de me entreter há um longo tempo, Lukart. Não tem como confiar em você nem para cutucar seu próprio nariz. Eu enviarei meus próprios homens. Você pode focar em empacotar suas coisas. Você provavelmente ferrará com isso também, mas pelo menos não haverá nenhuma perda.
***
As visitas domiciliares do grupo ocorreram sem problemas. Afinal de contas, eles ainda eram estudantes, Marth nunca os encarregaria com uma tarefa que estivesse além das habilidades deles. O desafio não era curar doenças, mas sim aprender a encontrar o caminho certo em um ambiente desconhecido e a lidar com os pacientes.
O primeiro destino deles era Visea, uma cidade linda, construída ao redor de uma pequena baía. O distrito central tinha o formato de uma lua crescente, para que cada mansão tivesse uma vista da baía.
Água separava os blocos da cidade, formando canais que podiam ser atravessados de bote ou usando uma das muitas pontes de pedra. O grupo estava quase chegando no endereço, mas ainda assim a Quylla estava caminhando atrás dos outros, mexendo em seu cabelo e ensaiando todas as apresentações que ela conseguia pensar, de novo e de novo.
Se ela não acordar pra vida, nunca terminaremos nossa lista a tempo. Desculpa, irmãzinha, mas isso é pro seu próprio bem. Friya se odiou pelo o que ela estava prestes a fazer, mas ela não aguentava mais ver a melhor amiga dela sempre sendo tão passiva.
— Sabe Lith, essa cidade tem uma vista muito linda — disse Friya, enquanto fazia um arco com sua mão, englobando o céu azul limpo e a água cristalina da baía.
— Apenas se você gosta de umidade e pássaros comedores de resto jogando uma chuva de morte acima de você — respondeu Lith de forma rabugenta, enquanto desviava da merda de passarinho que pavimentava a maior parte do caminho.
Se não fosse pela falta de gôndolas, essa cidade me lembraria Veneza. Lith pensou. Sem mencionar que na terra as merdas dos pombos não são tão grandes quanto um omelete.
Os pássaros infestando a baía se pareciam muito com gaivotas, mas o tamanho deles chegava mais perto do de um pelicano.
— É uma pena que a Phloria não possa aproveitar essa vista. — Friya ignorou o comentário dele, ficando de olho na reação da Quylla. — Até para mim, é a primeira vez que vejo o mar. Estou achando Vinea muito romântica. Por que você não vem pra cá com ela durante o fim de semana? Tenho certeza que ela adoraria.
— Pensarei nisso — disse ele.
Talvez seria romântico demais. Sem mencionar que não tenho tempo pra essas merdas. Foi o que ele realmente pensou. Se eu conseguir aprender a Blinkar antes do fim de semana, para não quebrar minha rotina de treino e se eu não fizer mais nenhuma descoberta com as caixas, então considerarei a possibilidade.
Você é impossível! Solus estava indignada. Hoje de manhã você estava reclamando sobre a falta de romance entre vocês dois e agora você já está considerando ela uma segunda, não, uma quarta melhor opção?
Você deveria arranjar tempo para ela, não apenas usá-la para preencher os espaços vazios!
Depois de ouvi-los conversando, os olhos da Quylla se endureceram de raiva. Ela caminhou com o dobro da velocidade, tirando a lista da mão do Yurial para checar o endereço antes de bater na porta com força o bastante para fazer a porta tremer.
Um mordomo usando um uniforme preto e branco, que lembrava um smoking para o Lith, abriu abruptamente a porta com uma expressão irritada.
— SIm? — Ele nem se importou em esconder seu nojo ao ver o grupo, dilatando suas narinas e dobrando seu lábio superior, como se alguém tivesse feito uma entrega de lixo.
— Bom dia, meu bom senhor. — A voz da Quylla soou doce como um limão verde. — Nós somos os curandeiros da Grifo Branco. Leve-nos ao seu paciente, por favor.
— A porta da frente é apenas para convidados. Entrem pela porta dos fundos, na entrada de serviço. — O mordomo tentou fechar a porta, mas Quylla o parou.
— Seu nome — sibilou Quylla.
— Como é?
— Eu quero seu nome, para quando eu reportar ao Diretor Linjos o motivo pelo qual não conseguimos tratar seu mestre, ele consiga explicar o motivo e dizer claramente que merece o crédito pela casa Korya perder seus privilégios com a Academia. Tenho certeza que seu mestre te recompensará bem.
Os olhos dela foram reduzidos a fendas transbordando mana. O mordomo ficou pálido como um fantasma. Enfurecer um mago já era ruim o suficiente, mas se as ações dele causassem algum dano à família Korya, ele se consideraria sortudo se fosse apenas esfolado vivo.
— E-Eu s-sinto muito, senhorita Maga — gaguejou ele. — Por favor, tenha piedade deste velho tolo. Você e seus poderosos colegas são muito bem-vindos. — Ele abriu a porta, se ajoelhando pela metade na frente dela assim que ela entrou.
— Mostre o caminho — rosnou Quylla.
Naquele dia, mais de um mordomo que se atreveu a desrespeitá-los se tornou incapaz de sequer olhá-la nos olhos ou falar com a Quylla sem se curvar primeiro.