Mago Supremo - Cap. 189
Capítulo 189: Uma perspectiva diferente (2)
Lith não sabia se ficava mais surpreso por descobrir o quão ignorante ele era sobre o verdadeiro potencial da necromancia ou por ver o esqueleto de um rato ficando de pé em suas patas traseiras e conversando com a voz da Professora Zeneff.
Apesar da distância, ele conseguiu perceber que a luz nos olhos da criatura havia mudado de vermelho escuro para azul brilhante.
— Assim como vocês viram quando eu reanimei essa carcaça, eu deixei minha digital de mana nele usando minha força vital para vincular nossas essências.
O rato Zeneff tocou na sua cabeça com uma pata, tornando a marca visível novamente.
— O vínculo permite que o necromante transfira temporariamente sua consciência para dentro de suas criações. Estudantes usavam essa habilidade na maior parte do tempo para trapacear durante exames escritos. Usando um pequeno rato morto-vivo, eles conseguiam se comunicar entre eles ou simplesmente copiar as respostas dos estudantes mais brilhantes.
“Mortos-vivos também eram uma ferramenta popular para fazer pegadinhas cruéis e espiar através de janelas. Há um motivo pelo qual todas as academias removeram as janelas de seus dormitórios. Até magia não consegue derrotar o entusiasmo de um bando de adolescentes cheios de tesão. Não importa a proteção, eles sempre encontram uma brecha.”
Nessa hora, o rato parou de falar e começou a rir.
— Mantenham em mente que a transferência não ocorre sem riscos. O corpo do mago é deixado completamente indefeso durante a transferência inteira. Alguém poderia te ferver e você nem perceberia.
“Além disso, nesta forma eu não tenho as percepções de um rato ou de um morto-vivo. Eu consigo ver e ouvir como se eu estivesse na sua mesa, mas todos os meus outros sentidos são perdidos. Eu não posso usar magia e se algo acontecer com este corpo antes de eu voltar para o meu, o choque resultante poderia me deixar incapacitada por horas.”
Os olhos da criatura ficaram vermelhos novamente e a Professora Zeneff estalou seus dedos por uma terceira vez, tirando um terceiro esqueleto de um rato de seu amuleto dimensional. Quando ela conjurou o feitiço necromântico, a névoa preta engoliu a carcaça por um tempo antes de desaparecer.
— Isso é o que acontece quando se tenta reanimar um cadáver que está morto há muito tempo: um fracasso. Até hoje, o fenômeno ainda não é claro. O que sabemos é que se um cadáver não for reanimado pelo menos uma vez a cada cinco dias, ele se torna inútil.
Eu queria poder usar Visão Vital para coletar dados. Solus, o que você viu com seu sentido de mana? Lith pensou.
O feitiço dela parece operar cegamente. Necromancia falsa não tem conceito nenhum sobre núcleos de mana, então as energias das trevas escaneiam o corpo inteiro antes de formar o núcleo de sangue. Meu palpite é que quando um ser vivo morre, seu núcleo de mana deixa para trás algum tipo de eco que desaparece após cerca de cinco dias.
A necromancia falsa parece depender pesadamente dessas energias que ficam pra trás. Sem elas, o feitiço perde o foco e se torna inefetivo.
A Kalla não é uma Despertada, ainda assim ela sabia instintivamente o que fazer. Lith ponderou. A afinidade natural das feras mágicas com os elementos é simplesmente assustadora. Não é surpresa nenhuma que ainda não haja uma espécie dominante neste planeta.
— Durante as aulas seguinte, eu ensinarei vocês a criarem com segurança todos os mortos-vivos inferiores, a transferirem sua consciência e a reconhecerem quando vocês estão passando dos seus limites.
“A Necromancia é toda sobre controle e autoconhecimento. Ao contrário de todos os outros tipos de magia, ela pode sair pela culatra. Ela ajudará vocês a construírem caráter, fará vocês perceberem que suas decisões, seus feitiços têm consequências que afetam vocês mesmos e outros.
“Ainda temos alguns minutos antes do sinal tocar. Alguma pergunta?”
Lith levantou sua mão e a Professora Zeneff acenou para ele.
— Quanto tempo um morto-vivo dura?
— Depende do nível do feitiço e da força da criatura. — Ela ficou feliz em ouvir uma pergunta relevante, em vez de uma sobre fantasmas e maldições. — Digamos que após este curso você conseguirá manter um esqueleto simples de pé por até quinze horas ou um esqueleto cavaleiro por uma hora.
Retiro tudo o que eu havia pensado. O único tipo de necromancia que eu conheço requer que eu infunda mana constantemente dentro de meus servos mortos-vivos, enquanto a necromancia dela consegue fornecer uma reserva de energia para os mortos-vivos.
Sem mencionar que meu conhecimento sobre os mortos-vivos está limitado aos filmes do George Romeno e Dungeons & Looting. Eu posso aprender muito com ela. Eu tendo a esquecer que ao contrário das feras mágicas, humanos deixam legados.
Eu posso fundir as centenas de anos de experiência deles com o que a Kalla me ensinou para criar minha versão da necromancia, algo mais forte que a soma de ambas as partes.
— Outra pergunta: você mencionou pequenos roedores. Por que não insetos? Eles são menores e têm uma chance maior de passarem despercebidos.
— Excelente pergunta! — A Professora Zeneff não gostava de escolher favoritos, mas ao ver um genuíno interesse na área dela era tão raro que era um elogio. — Por dois motivos. O primeiro é que se o corpo for pequeno demais, ao invés de ser infundido pela magia das trevas, ele é destruído por ela. O ajuste fino que isso necessitaria tornaria esse feitiço caro demais, o que me leva para o segundo motivo. Mesmo que alguém consiga fazer isso, a energia armazenada duraria apenas um tempo muito breve, tornando a criatura inútil.
Lith ainda tinha mais perguntas, mas o toque do sinal o forçou a parar.
— Isso é tudo por hoje. Dispensados.
Como eles ainda tinham que receber os livros do terceiro trimestre, o grupo do Lith se dividiu assim que saiu da sala de aula. Todos voltaram para seus quartos para esperarem pela entrega.
— Você se importaria se eu te acompanhasse por um momento? — perguntou Yurial. — Eu quero conversar com você sobre a Phloria.
— Não me diga que você secretamente gostava dela durante todo esse tempo?! — Lith falou isso brincando, esperando evitar uma aula sobre relacionamentos vinda de um adolescente cheio de hormônios que só conseguia pensar em uma coisa.
— Que os Deuses me protejam, não — disse Yurial, enquanto ria. — Ela é alta demais e definitivamente obstinada demais pra mim. Eu prefiro garotas pequenas, bem dotadas que não ameaçam me virar de dentro pra fora como uma meia. É só que como eu nunca te vi com uma garota, eu queria te dar um conselho não solicitado.
Lith sentiu uma vergonha alheia tremenda por dentro, enquanto mantinha seu rosto neutro e acenava.
— Se eu fosse você, eu devolveria sua Cédula pro Linjos para deixar a Phloria ficar com ela.
Lith ficou atônito. Isso não era o que ele esperava do Yurial.
— Após o segundo exame, a Phloria está com muitas dúvidas sobre a vida dela. Eu sei disso porque vivi sob o mesmo teto que ela até que a academia começasse novamente. Eu não sei se o Rudd conseguirá fazer com que o Lukart seja expulso, o pai dele é um homem poderoso que tem bons contatos.
“Mesmo que ele consiga, é apenas uma questão de tempo antes que as pessoas comecem a falar sobre vocês dois e isso colocaria um segundo alvo nas costas dela. Todos sabem que você tem uma Cédula, então você pode sempre blefar para evitar problemas. Sem mencionar que você é incrivelmente forte.”
Yurial piscou, se referindo ao segredo que Lith dividiu com eles.
— Ela é forte também, mas por enquanto a Phloria está passando por um momento difícil. Ela não precisa de mais traumas. Se você realmente se importa com ela, você deveria colocar a segurança dela em primeiro lugar. Um ano é um longo tempo, várias coisas podem acontecer.
— Quem é você e o que você fez com o Yurial? — respondeu Lith, levantando sua sobrancelha, incrédulo, fazendo seu amigo rir.
— É só que o futuro dela não está gravado em pedra. Ela pode mudar o caminho dela a qualquer momento e eu acredito que a Phloria precisa de paz e tranquilidade para não tomar a decisão dela com pressa. Eu realmente a invejo por isso.
Yurial suspirou. Como ele parecia estar precisando colocar algo pra fora, Lith não o interrompeu.
— Sabe, o motivo pelo qual eu pareço tão raso às vezes é porque eu sou igual à Phloria, tentando aproveitar o pouco de tempo que eu tenho sobrando ao máximo. Não me entenda errado, ao contrário dela eu não colocarei minha vida em risco todos os dias, mas ainda assim eu ficarei preso. Preso às minhas responsabilidades com meu pai, meus súditos, minha esposa e meus filhos.
— Seus o quê? — Lith ficou atônito, mais uma vez.
— Cara, mesmo antes de eu entrar na academia, eu já estava noivo. Eu sei com quem e quando eu vou casar desde quando eu tinha dez anos de idade.
— Eu a conheço?
— Não, ela não é uma maga. É um casamento político para juntar minha família magicamente talentosa com uma família nobre antiga. Todos saem ganhando. Após nossa formatura, eu me tornarei o segundo em comando do meu pai por alguns anos.
“Depois disso, casamento, e é esperado de mim que eu tenho pelo menos alguns herdeiros quando completar vinte anos. Como eu disse, o futuro da Phloria não está gravado em pedra, mas o meu está. Eu entendo melhor do que ninguém como é a sensação de estar preso.
Você e eu também. Lith suspirou por dentro.
— Talvez o relacionamento de vocês não dê certo, mas vocês ainda podem aprender algo um com o outro. Me prometa que você pensará nisso.
— Eu pensarei.
***
Em um canto remoto do Deserto de Sangue, os três Guardiões se encontraram pessoalmente pela primeira vez em centenas de anos. Mesmo apesar deles terem se transformado nas formas humanas deles e estarem suprimindo suas auras o máximo que podiam, não era o bastante.
A terra debaixo deles estava tremendo levemente, enquanto os céus rugiam com trovões. O mundo parecia estar assustado com a reunião deles e estava tentando separá-los mais uma vez.
— Eu odeio admitir isso, mas você estava certa — disse Salaark.
Ela havia assumido a aparência de uma mulher jovem, com cabelos pretos longos e sedosos, olhos que pareciam esmeraldas e um tom de bronze na pele tão claro que parecia brilhar sob a luz do sol da manhã.
Ela estava vestindo as mesmas roupas brancas que seus líderes tribais, as Penas, mas sem nenhum turbante, permitindo que seu cabelo tocasse o chão.
— Algum desgraçado invadiu meu território e está espalhando Abominações como se elas fossem presentes. Eu subestimei nosso oponente, deixando tudo nas mãos dos Despertados. O resultado foi que cinco das minhas Penas morreram em menos de um mês.
“Eles eram todos bons homens e mulheres. Alguém tem que pagar pela morte deles.”
Os olhos dela acenderam com uma chama púrpura enquanto a areia debaixo de seus pés se transformou em vidro por causa do calor que ela emitiu. O tremor e os trovões se intensificaram, mas nenhum dos presentes se importou com isso.
— Isso não é tudo. A morte repentina de tantos Despertados causou um grande dano na minha força militar, minhas fronteiras estão sob ataque de todas as direções!
— Eu não sou responsável, a trégua com o Reino de Griffon ainda permanece — disse Tyris.
— Nem eu. Eu não controlo nada no Império, mas minha aprendiz teria falado comigo antes de tomar tal atitude. Ela sabe o quanto está em jogo. — Leegaain deu de ombros, irritado.
— Eu não estou culpando vocês, seus idiotas, mas sim a mim mesma! — rugiu Salaark. — Claramente o culpado se certificou de que todos os meus inimigos ficassem sabendo da minha fraqueza, senão, os países vizinhos nunca conseguiriam organizar um ataque coordenado como esse. Eles estão arruinando anos de trabalho duro!
Os pés delicados dela bateram no chão múltiplas vezes, quebrando o vidro, a terra e causando um pequeno terremoto, cerca de 3.0 na escala de Richter.
— Então por que você nos convocou se sabia que somos inocentes? — Tyris já estava com uma dor de cabeça por ter que suportar o mau humor da Salaark sem ter a possibilidade de golpear a cabeça dela.
— Porque eu sei quem foi e onde eles estão agora. Se isso fosse só sobre matar, eu mesma teria feito isso, mas quero pegá-los vivos e fazê-los falar. Eu preciso de vocês para prevenir que eles escapem.
— Por mim tudo bem. Eu não tinha nada a ver com isso, de qualquer forma. — Leegaain bocejou, levantando seu dedão como sinal de concordância.
Com um estalar dos dedos dela, Salaark levou eles através de um Portal para centenas de quilômetros de distância dali, nas proximidades de uma pequena cadeia de montanhas. Assim como a maior parte do reino dela, o terreno estava desolado. Desolado demais, até para um deserto.
— O desgraçado deve ter aproveitado bem esse local. Até as montanhas estão desmoronando devido ao vácuo de energia do mundo — rosnou Salaark. — Selem o espaço ao redor, eu vou entrar.
Tyris e Leegaain operaram a magia deles, do jeito deles. Um Guardião está naturalmente sintonizado com o planeta, ao ponto de que até o ato mais simples deles era magia. Tyris começou a andar, incontáveis runas de poder se espalharam no ar e no chão com cada passo que ela dava.
Leegaain estava se sentindo nostálgico, ver suas duas amigas tocou seu coração velho. O dragão começou a cantar com uma voz de tenor. Onde quer que o som tocasse, a matéria ficaria presa à vontade do dragão.
— Exibido. — Tyris sorriu, cantando junto com uma melodia contrária. As vozes deles preencheram o ar com mana, fazendo flores surgirem de sementes que estavam secas há um longo tempo e água borbulhar do chão. Os Guardiões estavam apenas selando o espaço, a vida era apenas uma consequência da alegria deles de estarem juntos.
— Bem, pelo menos choverá bastante esse ano — resmungou Salaark, enquanto entrava no labirinto subterrâneo.